quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Poeta é um fingidor




Quero Acabar

Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar.
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!


Análise do poema "quero acabar entre rosas"

Campos foi o único dos heterónimos de Pessoa que teve o que se pode chamar de períodos evolutivos na sua poesia. Ou seja, em Campos podemos ver claramente fases diferentes, ao longo da sua existência, fases marcadas por diferentes aproximações à linguagem utilizada e, em última instância, à maneira como o poeta encarava a sua vida.
1Começando por uma fase decadente, de cujo exemplo máximo é o poema “Opiário”, Campos debruça-se sobre a vida em busca de novas sensações e num abulismo embrionário do que seria uma verdadeira e própria explosão dos sentidos.
Essa segunda fase será a mais conhecida de Campos – a que marcará a sua personalidade: é o futurismo. Um período onde o “engenheiro” rebenta, elogiando as máquinas e a tecnologia, de uma maneira escandalosa e gritante – rompendo com standards poéticos em forma e conteúdo. Nem mesmo a tipografia escapa à revolução do modernismo, que canta o mundo moderno, em que reina um homem deitado à confusão de querer “sentir tudo de todas as maneiras”. É afinal um homem indefinido, à procura de uma nova natureza.
No final das contas, um homem que acaba por se desiludir. A terceira fase de Campos reflecte isso mesmo – que a tecnologia desilude as expectativas humanas e deixa cair o homem numa triste solidão. Há uma espécie de regresso a uma infância (1.ª fase), mas já desiludida, sem esperança. É por isso aqui a abulia de maior magnitude, já mais depurada, destilada – venenosa. O poeta perde a identidade e senti em si mesmo a dissolução do seu eu. Uma angústia domina-o, ao saber impossível o regresso àquela primeira fase inocente (pois já nada nele é inocente).

O presente poema inscreve-se nesta 3.ª fase – a fase pessimista.

“Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância. / Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.” – Campos recorda a infância, uma coisa marcante da sua 3.ª fase. A referência aos crisântemos parece-nos directamente relacionada com o decorrer da vida de Campos (as rosas são a infância, os crisântemos representam o amor acabado, as desilusões).
“Falem pouco, devagar. / Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.” – o poeta sobretudo está cansado de pensar. A ausência do pensamento está marcadamente associada à paz, porque antes o pensamento, que deveria libertar, teve precisamente o efeito contrário. Por isso Campos não quer ouvir, muito menos pensar. Quer apenas a paz do silêncio.
“O que quis? Tenho as mãos vazias, / Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.”. Campo em três frases seguidas, recorrendo a aliteração e interrogações, reflecte sobre o que quis, o que pensou e o que viveu. E as suas conclusões não podiam ser piores. Do que quis, nada tem (“tenho as mãos vazias”). E pior que isso, mais que nada ter, as suas mãos vazias lembram-lhe o passado mais feliz.
“O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.” – ou seja, do raciocínio nada restou de precioso, o seu intelecto nada resolveu. A boca está seca e abstracta, ou seja, nada tem a dizer de conclusivo: a boca está vazia, como as mãos.
“O que vivi? Era tão bom dormir!” – como conclusão Campos nem sequer nos diz directamente o que pensa ter vivido. Porque adivinhamos certamente a sua resposta: ele nada viveu. Apenas deseja o sono, a tranquilidade máxima, do não pensar, do não sofrer.
O sono enquanto solução para a dor de viver resume na perfeição esta terceira e final fase de Campos, uma fase de grande desilusão e abulia depurada, onde o poeta resume a sua vida até então e vê, com grande tristeza, que nada conseguiu atingir.

Sem comentários:

Enviar um comentário