sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Às Voltas com a SOCIOLOGIA


SOCIÓLOGO: Profissão ou não! (Parte II)

Outro dos contextos de actividade mais frequentemente encontrados e analisados por algumas monografias, realizadas ao longo dos últimos anos pelos estudantes da disciplina de “Práticas profissionais em sociologia”, é o das câmaras municipais. Cada vez mais, existe um número crescente de sociólogos em áreas como a de animação cultural, intervenção social, planeamento urbanístico, reabilitação urbana, protecção civil, ambiente, educação, desporto, ou ainda, gestão de recursos humanos das autarquias, para não falar de responsáveis autárquicos, presidentes de câmara e vereadores, que também são sociólogos. Outra das áreas onde os sociólogos se encontram profissionalizados, são nos ministérios, serviços centrais, laboratórios do Estado, gabinetes de estudos e projectos, empresas de sondagens, agências de publicidade, meios de comunicação social, empresas de consultoria e formação profissional, associações, sindicatos, IPSS, ONG’s, empresas de serviços financeiros, empresas industriais, escolas de ensino secundário, institutos politécnicos, universidades e centros de investigação. Nalguns destes contextos, a profissionalização tem-se mostrado razoavelmente dinâmica, como por exemplo nas autarquias; noutros porém, algo estagnada, nomeadamente no ensino secundário. Em certas situações a profissionalização é ainda precoce, começando com colaborações pontuais, estágios de fim de curso, noutros é morosa, implicando a passagem por vários empregos precários, até uma situação profissional mais duradoura. Finalmente existem também um conjunto de casos onde já existia uma actividade profissional estável, podendo esta influir muito ou pouco no trajecto subsequente.
Perante estes factos, e apesar das flutuações conjunturais e das indeterminações quanto ao futuro, a sociologia em Portugal, parece pois, ser profissionalizável.

Contudo, e partindo da premissa que a sociologia é profissionalizável, coloca-se outras questões, quanto ao tipo de profissionalização: Que tipos de profissionalização se podem esperar, e prepara, para os sociólogos? Numa análise de índole mais teórica, podemos considerar razoável que numa “sociedade de conhecimento”, como a nossa, os sociólogos tenham mais potencial apara se enquadrarem no âmbito dos “analistas simbólicos”, do que propriamente “prestadores de serviços” ou “trabalhadores de produção massificada”, mas trata-se efectivamente apenas de um potencial.
As relações que se constituem entre formação e profissão, são cruciais, no campo da sociologia, essa relações por sua vez dependem de diversos factores, uns são factores gerais de contexto, relativos às tendências da sociedade, como qualificações crescentes das populações, redes alargadas de interdependências e fluxos, centralidade cada vez maior do conhecimento elaborado e pericialidade na actividade económica e na organização social, rapidez dos processos de produção científica, inovação tecnológica e mudança organizacional, entre outros. Por outro lado, existem dois factores específicos, deveras importantes: a) os modelos de formação em sociologia (cursos, programas, professores, actividades de ensino/aprendizagem; b) as estratégias de profissionalização dos sociólogos – desenvolvidas quer individualmente, quer ao nível do grupo profissional organizado.
Actualmente, nas sociedades contemporâneas, no que “toca” à formação superior, existem duas modalidades ideal-tipo fundamentais de ralações formação/profissão, uma é das relações formação/profissão UNÍVOCAS, em que o curso corresponde basicamente a uma profissão, outra das relações formação/profissão MULTÍVOCAS, nas quais a formação te, em regra geral, uma articulação menos nítida com um determinado sector de profissionalização, mas que em contrapartida possibilita o desenvolvimento de estratégias de profissionalização dirigidas a uma pluralidade, mais ou menos, alargada de actividades profissionais qualificadas.
Se à primeira modalidade, a das relações formação/profissão unívocas, podemos apresentar como ilustrações emblemáticas, as áreas da medicina ou arquitectura, cuja formação corresponde a papeis profissionais bem definidos e bem delimitados, à segunda modalidade, a das relações formação/profissão multívocas, abrange um leque grande de áreas, como sejam, por exemplo a engenharia, a economia, ou outras mais recentes, como a psicologia, a gestão, a biologia e a própria sociologia. Esta segunda modalidade, da profissionalização mais diversificada, faz-se tipicamente, com a mobilização, em combinatórias de peso variável, de saberes e competências de vários géneros, de que salientamos três, a) saberes e competências de base, isto é, directamente provenientes dos programas de formação curricular iniciais, b) saberes e competências contextuais, decorrentes da experiência profissional adquirida no exercício da actividade, c) saberes e competências complementares, obtidos em curso de formação, pós-graduações ou no prolongamento directo da formação inicial, o que se passa particularmente com os sociólogos que têm vindo a adquirir formações complementares, onde a sociologia, por seu lado, é hoje em dia, bastante procurada como área de formação complementar por profissionais oriundos de outros domínios de formação inicial.
Poderemos ainda acrescentar, que o actual processo de profissionalização da sociologia assenta, em duas ordens de factores, a) no plano externo (contexto social), o aumento da procura potencial de acção profissional dos sociólogos, procura associada à complexidade e reflexividade contemporâneas, o que no remete, em termos muito gerais e abstractos, para uma multiplicidade de processos bem conhecidos dos sociólogos, b) no plano interno (campo sociológico), o crescimento da oferta potencial, nomeadamente na expansão do número de diplomados em sociologia, o qual desde há muito ultrapassou exponencialmente o volume e o âmbito do segmento profissional específico do ensino e da investigação universitários.

Extraído e Adaptado do Artigo de António Firmino da Costa: Será a sociologia profissionalizável?

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Às Voltas com a SOCIOLOGIA


SOCIÓLOGO: Profissão ou não! (Parte I)

Falar em sociologia, é falar nas suas três componentes principais: sociologia como ciência, sociologia como formação e sociologia como profissão. Se a primeira se baseia essencialmente num conjunto específico de critérios, ferramentas cognitivas, conhecimentos acumulados e práticas de investigação, já o segundo incide basicamente sobre o sistema de ensino, sobre os cursos e diplomas, ou seja sobre os processos inerentes à aprendizagem da sociologia. Quanto ao terceiro, centra-se na diversidade de papéis e práticas profissionais em sociologia, bem como os processos de constituição dos sociólogos como grupo profissional, incluindo os aspectos de cultura profissional e formas de associação ou organização colectiva.
O que é facto é que dificilmente poderemos analisar uma das vertentes isoladamente, pois actualmente há que levar em conta, que essas vertentes se interligam fortemente entre si, não apenas no sentido retórico banalizado de que “tudo se relaciona com tudo”, mas de uma forma concreta, multifacetada, cada vez mais importante e acentuada. Senão vejamos, se à partida a sociologia como ciência se esgotava praticamente, com tudo o que de relevante acontecia na área, mais tarde a investigação científica e o ensino universitário passaram a estabelecer laços decisivos entre si, tanto em termos cognitivos como institucionais. Hoje em dia, com a formação de milhares de licenciados em sociologia e a respectiva inserção na esfera profissional e as expectativas e pedidos sociais entretanto desenvolvidos relativamente aos contributos potenciais da sociologia no plano científico, formativo e profissional, a articulação tornou-se irreversivelmente tripla. Finalmente e mais importante na sociologia, é que estas três componentes não existem umas sem as outras, pois a dinâmicas, presentes e futuras, de cada uma delas, e da própria sociologia no seu conjunto, dependem cada vez mais desta articulação.
A terceira componente, a da sociologia como profissão e as relações dos sociólogos com a sociedade ganha uma configuração e um acuidade muito particular, qualquer que seja o nível considerado, 1) o dos papeis/práticas profissionais, 2) o de grupo/organização profissional do conjunto dos sociólogos.
Temos aqui uma questão muito concreta, que é a relação dos sociólogos com entidades empregadoras, contratadoras ou financiadoras, ou seja, com as organizações em que trabalham, com os grupos e meios sociais objecto de estudo cientifico e acção profissional dos sociólogos, com profissionais de outras especialidades, com os meios de comunicação social e outras instâncias de formação da opinião pública.
Desta relação decorre, em grande medida, que, a uma dimensão cognitiva da sociologia, se venha a adicionar uma dimensão deontológica, também presente, como é óbvio, nas outras duas componentes, mas assumindo uma relevância muito especial na componente profissão. Por isso uma boa parte da pertinência em se proceder a uma análise propriamente sociológica da sociologia como profissão, e por outro lado, a importância de, que em qualquer análise sociológica da sociologia, tomar suficientemente em atenção a componente profissional.
Quando se analisam estes assuntos é que ter em conta a necessidade de dois tipos de abordagens distintas, a) uma que privilegia aspectos de conjuntura e contexto, b) e outra que incide preferencialmente sobre aspectos relativos à constituição específica do campo científico-profissional em causa.
Podemos assim, a partir de uma perspectiva mais de fundo, ou melhor, mais focada na constituição do campo da sociologia, a partir do triângulo ciência-profissão-formação, colocar a questão chave: será a sociologia, em si mesmo, profissionalizável?
Será forçoso começar por constatar que há quem ache que sim, e há quem ache que não. E há, ainda, quem ache que sim, ou que não, de maneiras diferentes.
Poderíamos avançar com uma resposta, de carácter empírico, simples e segura, por exemplo, a Associação Portuguesa de Sociologia conta, com cerca de 2000 membros, praticamente todos profissionalizados, exercendo profissões variadas, em áreas diversas.
Outro exemplo, seria os inquéritos do ODES – Sistema de Observação de Percursos de Inserção de Diplomados do Ensino Superior, realizados no início de 2000, que revelam igualmente que, na sua grande maioria, os licenciados em sociologia estão empregados, têm encontrado trabalho relativamente depressa, muitos deles, mesmo antes de acabarem a licenciatura, e outros até seis meses após conclusão da mesma. É evidente que também existem excepções, aliás, como noutras áreas de formação e profissionalização, mas a maior parte dos licenciados em sociologia enquadra-se na caracterização geral.

Extraído e Adaptado do Artigo de António Firmino da Costa: Será a sociologia profissionalizável?

domingo, 25 de setembro de 2011

Livros que merecem ser lidos...


O que é - GLOBALIZAÇÃO CULTURAL

Geralmente entendida numa acepção económica, a globalização, como o próprio nome indica, abrange e estende-se a todos os domínios do mundo moderno. No entanto, será que a dinâmica da globalização pressupõe, em termos culturais, uniformailização, homogeneização, descaracterização e, no limite, "americanização"? Este ensaio recusa essa visão falaciosa e, à pergunta "O que é?" responde, por paradoxal que possa parecer, que o processo da globalização cultural produz, ao mesmo tempo, mais uniformidade e mais diversidade. "O local é global, o global é local. Tudo está em tudo ao mesmo tempo e como tal tem que ser pensado". Este livro foi publicado pela editora QUIMERA, em 2002, com 159 páginas, e escrito por um dos mais conceituados sociólogos, Alexandre Melo. A não perder.


Í N D I C E

Nota Prévia

Capítulo 1

O que é a globalização?
Contexto e estatuto da discussão
Globalização e processo histórico
Dimensão económica
Dimensão política
Dimensão cultural

Capítulo 2

Dimensãoes culturais da globalização
Uniformização e diversificação
Identidades desmascaradas
Fundamentalismo e cosmopolitismo
Relativismos
Império das imagens
Triunfo da moda
Vedetariado
Imagem de marca
Sistema das artes

Capítulo 3

Geografias do poder no sistema das artes
Entre o local e o global
Scapes
Nem centro nem periferia
Dinâmica dos centros artísticos
Geografias da actualidade
Crise dos centros
Scarto
Do mundo da arte à arte do mundo
Deslocação do ponto de vista
São Paulo, 1998 - Um centro de um outro mundo
Veneza, 1999 - A China mora ao lado
Kassel, 2002 - Uma exposição do tamanho do mundo
Discursos de legitimação Políticas culturais

Referências bibliográficas

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Mundo que nos Rodeia: Ponto de Situação


Passos Coelho bem avisou que iria fazer cortes na despesa. Só não disse que era na nossa. A nossa despesa com alimentação, habitação e transportes está cada vez menor.

Os portugueses vivem hoje num país nórdico: pagam impostos como no Norte da Europa; têm um nível de vida como no Norte de África. Como são um povo ao qual é difícil agradar, ainda se queixam. Sem razão, evidentemente.
A campanha eleitoral foi dominada por uma metáfora, digamos, dietética: o Estado era obeso e precisava de emagrecer. Chegava a ser difícil distinguir o tempo de antena do PSD de um anúncio da Herbalife. "Perca peso orçamental agora! Pergunte-me como!" O problema é que, ao que parece, um Estado gordo é caro, mas um Estado magro é caríssimo. Aqueles que acusavam o PSD de querer matar o Estado à fome enganaram-se. O PSD quer engordá-lo antes de o matar, como se faz com o porco. Ninguém compra um bácoro escanzelado, e quem se prepara para comprar o Estado também gosta mais de febra do que de osso.
Embora o nutricionismo financeiro seja difícil de compreender, parece-me que deixámos de ter um Estado obeso e passámos a ter um Estado bulímico. Pessoalmente, preferia o gordo. Comia bastante mas era bonacheirão e deixava-me o décimo terceiro mês (o actual décimo segundo mês e meio, ou os décimos terceiros quinze dias) em paz.
Enfim, será o preço a pagar por viver num país com 10 milhões de milionários. Talvez o leitor ainda não tenha reparado, mas este é um país de gente rica: cada português tem um banco e uma ilha. É certo que é o mesmo banco e a mesma ilha, mas são nossos. Todos os contribuintes são proprietários do BPN e da Madeira. Tal como sucede com todos os banqueiros proprietários de ilhas, fizemos uma escolha: estes são luxos caros e difíceis de sustentar. Todos os meses, trabalhamos para sustentar o banco e a ilha, e depois gastamos o dinheiro que sobra em coisas supérfluas, como a comida, a renda e a electricidade.
Felizmente, o governo ajuda-nos a gerir o salário com inteligência. Pedro Passos Coelho bem avisou que iria fazer cortes na despesa. Só não disse que era na nossa, mas era previsível. A nossa despesa com alimentação, habitação e transportes está cada vez menor. Afinal, o orçamento gordo era o nosso. Agora está muito mais magro, elegante e saudável. Mais sobra para o banco e para a ilha.

Por: Ricardo Araújo Pereira, in Boca do Inferno

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Às Voltas com a Memória: RIBEIRINHO (n. 21 Set. 1911; m. 07 Fev. 1984)



Actor, encenador, cineasta, Francisco Carlos Lopes Ribeiro (Ribeirinho) nasceu a 21 de Setembro de 1911, em Lisboa. Pisou os palcos pela primeira vez em criança, no verão de 1917, na revista «Tiros sem bala», apresentada no Grémio dos Despretensiosos da capital portuguesa.
A estreia profissional, no entanto, só aconteceria em 1929, quando integrou a Companhia Chaby Pinheiro e o elenco de «A Maluquinha de Arroios», de André Brun. Seguir-se-ia o trabalho com os grupos de teatro de Alves da Cunha e Berta Bívar, Maria Matos e Mendonça de Carvalho, Satanela-Amarante. Ao longo da década de 1930, a popularidade do autor aumentou. Percorreu o país, em digressões teatrais, tornou-se figura regular do teatro de revista, expandiu a actividade à comédia, ao drama e ao cinema.
Na tela, foi o caixeiro apaixonado por Tatão, em «O Pai Tirano», o porteiro do antigo número 13 de lisboeta rua Castilho, onde morava «A Vizinha do Lado», ou Rufino filho, o improvável sedutor que conquistava a Maria da Graça do «Pátio das Cantigas», filme que também realizou.
Antes, em 1936, tomara a direcção do Teatro do Povo, para a qual fora convidado pelo secretário nacional da Propaganda, António Ferro. Seguir-se-iam Os Comediantes de Lisboa, em 1944, companhia que fundou no Teatro da Trindade, o Teatro Universitário, o Teatro Nacional Popular, já na década de 1950, e a companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, com quem trabalhou regularmente até meados dos anos de 1960.
Ao longo da carreira, levou a cena textos dos grandes dramaturgos, como Maurice Maeterlinck, Anton Tchekov, Nicolai Gogol, Bernard Shaw, Óscar Wilde ou Samuel Beckett, do qual fez a estreia portuguesa de «À Espera de Godot», em 1959.
Francisco Ribeiro revelou actores como Ruy de Carvalho, Armando Cortez, Canto e Castro, Manuela Maria, Francisco Nicholson, Carlos Wallenstein, Nicolau Breyner ou Mariema. Com «O Impostor Geral», versão particular de «O inspetor-geral», de Gogol, abriu o Teatro Villaret de Raul Solnado, em 1965.
Em 1977, integrou a comissão instaladora do Teatro Nacional de D. Maria II, em Lisboa, assumindo a sua direcção entre 1978 e 1981, quando da reabertura, após o incêndio de 1964. Aqui assinou as suas derradeiras direcções – Shakespeare e «As Alegres Comadres de Windsor», «A Bisbilhoteira», de Eduardo Scwalback – e uma programação que foi de Luís Sttau-Monteiro a Máximo Gorki.
Irmão mais novo de António Lopes Ribeiro – facto que lhe valeu a alcunha –, Francisco Ribeiro integrou o elenco de cinco filmes do cineasta: «A Revolução de Maio» (1937), «Feitiço do Império» (1939), «O Pai Tirano» (1941), «A Vizinha do Lado» (1945), «O Primo Basílio» (1959).
Fez ainda «A Menina da Rádio» (1944) e «O Grande Elias» (1950), com Arthur Duarte, «O Costa de África» (1954), de João Mendes, «Aqui há fantasmas» (1964), de Pedro Martins. Em 1978-80, entrou em «O Diabo Desceu à Vila», de Teixeira da Fonseca.
Pelo meio ficaram colaborações com a televisão – «Noite de Reis», «O Urso» – ou a direcção do documentário «Rodas de Lisboa».
«Além de ser um grande actor, Ribeirinho foi um grande encenador», escreveu o antigo presidente da Cinemateca Portuguesa João Bénard da Costa, nas «Histórias do Cinema», da Imprensa Nacional Casa da Moeda.
O crítico Jorge Leitão Ramos não hesitou mesmo em considerar a estreia portuguesa de «À Espera de Godot» «o mais forte abanão de progresso do teatro português nesses anos», no artigo sobre Ribeirinho, para o Dicionário do Cinema Português (ed. Caminho).
«Os melhores momentos visuais de O Pátio [das Cantigas]», lembrou Bénard da Costa, «apontam-nos a presença desse grande encenador». «As relações entre os vários espaços horizontais e verticais são (…) trabalhadas em função do espaço cinematográfico, revelando uma aguda consciência do tempo e do jogo das situações que caracterizaram também as melhores encenações de Ribeirinho».
O actor e encenador morreu em Lisboa, a 07 de Fevereiro de 1984, aos 73 anos.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Às Voltas com a Memória: AMÁLIA RODRIGUES (n. 23 Jul. 1920; m. 06 Out. 1999)


Amália da Piedade Rodrigues, filha de um músico sapateiro que, para sustentar os quatro filhos e a mulher, tentou a sua sorte em Lisboa. Amália nasceu a 1 de Julho de 1920, porém apenas foi registada dias depois, tendo no seu assento de nascimento como nascida às cinco horas de 23 de Julho de 1920, na rua Martim Vaz, na freguesia lisboeta da Pena. Amália pretendia, no entanto, que o aniversário fosse celebrado a 1 de Julho ("no tempo das cerejas"), e dizia: Talvez por ser essa a altura do mês em que havia dinheiro para me comprarem os presentes. Catorze meses depois, o pai, não tendo arranjado trabalho, volta com a família para o Fundão. Amália fica com os avós na capital.
A sua faceta de cantora cedo se revela. Amália era muito tímida, mas começa a cantar para o avô e os vizinhos, que lhe pediam. Na infância e juventude, cantarolava tangos de Carlos Gardel e canções populares que ouvia e lhe pediam para cantar.
Aos 9 anos, a avó, analfabeta, manda Amália para a escola, que tanto gostava de frequentar. Contudo, aos 12 anos tem que interromper a sua escolaridade como era frequente em casas pobres. Escolhe então o ofício de bordadeira, mas depressa muda para ir embrulhar bolos.
Aos 14 anos decide ir viver com os pais, que entretanto regressam a Lisboa. Mas a vida não é tão boa como em casa dos avós. Amália tinha que ajudar a mãe e aguentar o irmão mais velho. Trabalha como bordadeira, engomadeira e à tarefa.
Aos 15 anos vai vender fruta para a zona do Cais da Rocha, e torna-se notada devido ao especialíssimo timbre de voz. Integra a Marcha Popular de Alcântara (nas festividades de Santo António de Lisboa) de 1936. O ensaiador da Marcha insiste para que Amália se inscreva numa prova de descoberta de talentos, chamada Concurso da Primavera, em que se disputava o título de Rainha do Fado. Amália acabaria por não participar, pois todas as outras concorrentes se recusavam a competir com ela.
Conhece nessa altura o seu futuro marido, Francisco da Cruz, um guitarrista amador, com o qual casará em 1940. Um assistente recomenda-a para a casa de fados mais famosa de então, o Retiro da Severa, mas Amália acaba por recusar esse convite, e depois adiar a resposta, e só em 1939 irá cantar nessa casa.
Estreia-se no teatro de revista em 1940, como atracção da peça Ora Vai Tu, no Teatro Maria Vitória. No meio teatral encontra Frederico Valério, compositor de muitos dos seus fados.
Em 1943 divorcia-se a seu pedido. Neste mesmo ano actua pela primeira vez fora de Portugal, a convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira, em Madrid.
Em 1944 consegue um papel proeminente, ao lado de Hermínia Silva, na opereta Rosa Cantadeira, onde interpreta o Fado do Ciúme, de Frederico Valério. Em Setembro, chega ao Rio de Janeiro acompanhada pelo maestro Fernando de Freitas para actuar no Casino Copacabana. Aos 24 anos, Amália tem já um espectáculo concebido em exclusivo para ela. A recepção é de tal forma entusiástica que o seu contrato inicial de 4 semanas se prolongará por 4 meses. É convidada a repetir a tournée, acompanhada por bailarinos e músicos.
É no Rio de Janeiro que Frederico Valério compõe um dos mais famosos fados de todos os tempos: Ai Mouraria, estreado no Teatro República. Grava discos, vendidos em vários países, motivando grande interesse das companhias de Hollywood.
Em 1947 estreia-se no cinema com o filme Capas Negras, o filme mais visto em Portugal até então, ficando 22 semanas em exibição. Um segundo filme, do mesmo ano, é Fado, História de uma Cantadeira.
Amália é apoiada por artistas inovadores como Almada Negreiros e António Ferro, este convida-a pela primeira vez a cantar em Paris, no Chez Carrère, e em Londres, no Ritz, em festas do departamento de Turismo que o próprio organiza.
A internacionalização de Amália aumenta com a participação, em 1950, nos espectáculos do Plano Marshall, o plano de "apoio" dos EUA à Europa do pós-guerra, em que participam os mais importantes artistas de cada país. O êxito repete-se por Trieste, Berna, Paris e Dublin (onde canta a canção Coimbra, que, atentamente escutada pela cantora francesa Yvette Giraud, é popularizada por ela em todo o mundo como Avril au Portugal).
Em Roma, Amália actua no Teatro Argentina, sendo a única artista ligeira num espectáculo em que figuram os mais famosos cantores de música clássica.
Em Setembro de 1952 a sua estreia em Nova Iorque fez-se no palco do La Vie en Rose, onde ficou 14 semanas em cartaz. Ainda nos Estados Unidos, em 1953 canta pela primeira vez na televisão (na NBC), no programa do Eddie Fisher patrocinado pela Coca-Cola, que teve que beber e de que não gostara nada. Grava discos de fado e de flamenco. Convidam-na para ficar, mas não fica por que não quer.
Nos EUA editou o seu primeiro LP (as gravações anteriores eram em discos de 78 rotações). Amalia Rodrigues Sings Fado From Portugal and Flamenco From Spain, lançado em 1954 pela Angel Records, assinala a sua estreia no formato do long-play, a 33 rotações, criado apenas seis anos antes e, na época, ainda longe de conhecer a expressão de mercado que depois viria a conquistar. O álbum, que seria editado em 1957 em Inglaterra e, um ano depois, em França, nunca teve prensagem portuguesa.
Amália dá ao fado um fulgor novo. Canta o repertório tradicional de uma forma diferente, sincronizando o que é rural e urbano.
Canta os grandes poetas da língua portuguesa (Camões, Bocage), além dos poetas que escrevem para ela (Pedro Homem de Mello, David Mourão Ferreira, Ary dos Santos, Manuel Alegre, O’Neill). Conhece também Alain Oulman, que lhe compõe várias canções.
O seu fado de Peniche é proibido por ser considerado um hino aos que se encontram presos em Peniche, Amália escolhe também um poema de Pedro Homem de Mello Povo que lavas no rio, que ganha uma dimensão política.
Em 1961, casa-se com o seu segundo marido, o engenheiro brasileiro César Seabra, com quem fica até à morte deste, em 1997.
Em 1966, volta aos Estados Unidos, actuando no Lincoln Center, em Nova Iorque, com o maestro André Kostelanetz frente a uma orquestra, num programa essencialmente feito de canções do folclore português numa das noites e num outro, feito de fados (também com orquestra). O mesmo espectáculo foi encenado, dias depois, no Hollywood Bowl. Voltaria ao Lincoln Center em 1968.
Ainda em 1966, o seu amigo Alain Oulman é preso pela PIDE. Amália dá todo o seu apoio ao amigo e tudo faz para que seja libertado e posto na fronteira.
Em 1969, Amália é condecorada pelo novo presidente do conselho, Marcelo Caetano, na Exposição Mundial de Bruxelas antes de iniciar uma grande digressão à União Soviética.
Em 1970 é editado o álbum Com Que Voz.
Em 1971 encontra finalmente Manuel Alegre, exilado em Paris.
Em 1974 grava o álbum Encontro - Amália e Don Byas com o saxofonista Don Byas.
Em 1976 é editado o disco Amália no Canecão gravado no Brasil. No mesmo ano é lançado o álbum Cantigas da boa gente. Fandangueiro e Cantigas numa Língua Antiga são lançados em 1977.
No ano de 1980 é lançado o disco Gostava de Ser Quem Era. Em 1982 é lançado o Máxi-single Senhor Extraterrestre com dois temas de Carlos Paião. É editado o álbum Amália Fado com temas de Frederico Valério.
Em 1983 é editado o álbum Lágrima a que se segue Amália na Broadway em 1984.
Em 1985 obtém grande sucesso a colectânea O Melhor de Amália: Estranha forma de vida. É lançado um novo volume: O Melhor de Amália, vol. 2: Tudo isto é fado.
É condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património.
Em 1990, em França, depois da Ordem das Artes e das Letras, recebe, desta vez das mãos do presidente Mitterrand, a Légion d'Honneur.
Ao longo dos anos que passam, vê desaparecer o seu compositor Alain Oulman, o seu poeta David Mourão-Ferreira e o seu marido, César Seabra, com quem era casada há 36 anos, e que morre em 1997.
Em 1997 é editado pela Valentim de Carvalho o álbum Segredo com gravações inéditas realizadas entre 1965 e 1975. É ainda publicado o livro (Versos) com os seus poemas. É-lhe feita uma homenagem nacional na Exposição Mundial de Lisboa (Expo 98).
Tumulo Amalia Rodrigues no Panteão Nacional
Em Abril de 1999, Amália desloca-se pela última vez a Paris, sendo condecorada na Cinemateca Francesa, por os muitos espectáculos que deu naquela cidade e, dever-se a ela o facto da França começar a apreciar o Fado. Já ligeiramente debilitada, agradeceu aos franceses o facto de se ter começado a projectar no mundo, pois era a partir de França que os seus discos começaram a espalhar-se.
A 6 de Outubro de 1999, Amália Rodrigues morre, em sua casa, repentinamente, ao início da manhã, com 79 anos, poucas horas depois de regressar da sua casa de férias no litoral alentejano. Imediatamente, o então primeiro-ministro, António Guterres, decreta Luto Nacional por três dias. No seu funeral centenas de milhares de lisboetas descem à rua para lhe prestar uma última homenagem. Foi sepultada no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Dois anos depois, em Julho de 2001, o seu corpo foi trasladado para o Panteão Nacional, em Lisboa. (após pressão dos seus admiradores e uma modificação da lei que exigia um mínimo de quatro anos antes da trasladação), onde repousam as personalidades consideradas expoentes máximos da nacionalidade.
Sabe-se então que Amália, vista por muitos como um dos símbolos da ditadura ("Fado, Fátima e Futebol"), colaborara economicamente com o Partido Comunista Português quando este era clandestino. Amália Rodrigues representou Portugal em todo o mundo, de Lisboa ao Rio de Janeiro, de Nova Iorque a Roma, de Tóquio à União Soviética, do México a Londres, de Madrid a Paris (onde actuou tantas vezes no prestigiosíssimo Olympia).