segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Às Voltas com a Memória: PAVÃO (n. 12 Ago. 1947; m. 16 Dez. 1973)

Fernando Pascoal das Neves, mais conhecido por: “Pavão”, nasceu em Chaves no dia 12 de Agosto de 1947.
Começou a jogar futebol no Desportivo de Chaves onde deu nas vistas e em 1964 foi jogar para os juniores do Futebol clube do Porto. Logo no ano seguinte passou para a equipa principal orientada na altura por Flávio Costa, e fez a sua estreia a titular num jogo contra o Benfica com apenas 18 anos.
Mas foi com a chegada do treinador José Maria Pedroto que Pavão ganhou de maneira definitiva a titularidade e para além de ser o jogador mais jovem do plantel foi o escolhido para ser capitão.
O ponto alto da sua curta carreira como futebolista aconteceu na época de 1967/68 ao ajudar o FC Porto a conquistar a Taça de Portugal ao derrotar na final o Vitória de Setúbal por 2-1.
Falava-se que ia para Inglaterra jogar para o Manchester United, e que tinha planos para abrir um “pub” na Praça Velásquez. Todo isso terminou ao minuto 13 da 13ª jornada do campeonato de 1973 no dia 16 de Dezembro, quando depois de fazer um passe para Oliveira, Pavão caiu e não se levantou mais. Foi levado para o hospital de S.João onde 1 hora e meia depois foi anunciada a sua morte. O jogo continuou e o FC Porto venceu por 2-0.
No final quando se soube que Pavão tinha morrido, o silêncio tomou conta das pessoas que enchiam as bancadas ao mesmo tempo que os jogadores procuravam consolo nos colegas. Foi esse o dia mais triste do Estádio das Antas e um dia que ainda hoje muitos portistas ainda não esqueceram.
A Fernando Pascoal das Neves ainda ninguém chamava Pavão.Era Nandito. Pequenino mas galhardo, que nos jogos com rapazio de maior idade não deixava os seus créditos por pernas alheias. Quando em 1958 terminou a escola primária fez exame de admissão aos liceus, chumbou. O pai decidiu, então, que por castigo iria trabalhar e que só voltaria à escola quando tivesse idade para inscrever-se no curso nocturno. Para empregado de balcão foi.  Pavão, como já então todos apotavam, porque tendo peitaça de maratonista gostava de a exibir de braços abertos, vivia na rebeldia solta dos seus 11 anos, abespinhou-se ao ver cliente daquelas a quem nada agrada e tudo deprecia, mofou dela em voz alta, foi de imediato despedido. Era o que queria. Ficou, assim, ainda com mais tempo para os jogos de bola, umas vezes no Canto do Rio, outras no Tabolado, quando o largo nada mais era que um extenso descampado. António Feliciano, a mais famosa das torres de Belém, treinava o Desportivo de Chaves. Como decidira fazer no clube uma escola de jogadores — era paixão que já lhe fervia... — cirandou pela cidade, espiolhando os jogos vadios da petizada, à cata de talentos. Depressa se encantou do jeito de Pavão, levando-o, naturalmente, para a sua escola. Tinha 13 anos.
Como contrapartida pela autorização para jogar futebol o pai convenceu-o a matricular-se nas aulas nocturnas do Curso de Aprendizagem do Comércio. O desporto era paixão cada vez mais ardente. Não só o futebol. O atletismo também. Para as corridas pensou inscrever-se nos campeonatos da Mocidade Portuguesa, mas como era aluno nocturno, impediram-no. Jurou que haveria de voltar às aulas diurnas, deitou-se sozinho aos estudos, fez exame do ciclo preparatório, aprovou. Era assim — pertinaz, lutador. Passando a frequentar o Curso Geral do Comércio, nas aulas diurnas, inscreveu-se, então, nas secções de atletismo, de voleibol e de andebol da Mocidade Portuguesa, sem que isso o fizesse abandonar, naturalmente, a prática do futebol.
Existindo uma vaga no cargo de professor de ginástica na Escola Comercial de Chaves, apesar de não possuir qualquer diploma que o habilitasse como tal, António Feliciano conseguiu autorização para preencher essa vaga, com duplo objectivo: podia assim servir os jovens flavienses, ministrando-lhes lições de educação física, de acordo com os seus conhecimentos e experiência e, ao mesmo tempo, conseguia estar mais perto dos seus pupilos, que em grande parte frequentavam aquele estabelecimento de ensino. Tal era o entusiasmo de Pavão e de todos os seus colegas que, quando as aulas terminavam, punham-se todos a correr atrás do automóvel do professor Feliciano, da escola ao estádio! Chamavam-lhe o treino de fôlego. Com esse espírito e com o talento que já revelara, foi sem surpresa que, em 1966, saltou de Chaves para o F. C. Porto. O destino dar-lhe-ia, contudo, pouco tempo para brilhar... Os mistérios da morte no estádio. Em 1973, para substituir Riera, Américo de Sá contratara Béla Guttmann. Ao minuto 13 da jornada 13 daquele frio Dezembro de 1973, durante o jogo F. C. Porto-V. Setúbal, Pavão estatelou-se no relvado, em estado de coma ficou, num ápice. Conduzido ao Hospital de São João, fizeram-lhe electrochoques, mas hora e meia depois tinha falecido. José Santana, médico portista, admitiu, então, que a tragédia se devesse à «rotura de vaso sanguíneo, talvez em virtude de uma cabeçada na bola». Mas como o treinador do F. C. Porto era Béla Guttmann — que para além do chazinho, adquirira, ainda nos seus tempos de sucesso no Benfica, fama de dar aos pupilos, antes dos jogos, amiúde escondido na sopa, um comprimido, que jurava serem apenas vitaminas — logo se acastelaram suspeitas. De boca em boca voltou a correr a rábula da mulher de Costa Pereira: em vésperas de um Benfica-Manchester, para a Taça dos Campeões, decidira levar os jogadores ao cinema, mas a caminho da sala surgira-lhe a senhora, descabelada, acusando-o de estar a destruir-lhe o marido com aqueles comprimidos, que lhe faziam as noites brancas, com estranhos pesadelos, estranhas euforias... Em surdina se haveria de saber que a necrópsia revelara derrames das cápsulas suprarenais, provocados, possivelmente, por uma descarga brusca de adrenalina, produzida em excesso. Porquê a descarga brusca de adrenalina? Isso ninguém explicara, ninguém explicaria...
Tudo isso ia servindo de pábulo para suspeições que se sussuravam um pouco por todo o lado, mas sobretudo pelas congostas da má-língua. Na certidão de óbito se declarava que a morte de Fernando Pascoal das Neves se devera a estenose aórtica congénita, doença que o impediria de jogar futebol e só por negligência continuava a fazê-lo. Ou seja, Alberto José de Almeida, o médico que pela última vez o examinara no Centro de Medicina do Porto, ficava com a espada de Dâmocles sobre a sua cabeça.
Acabou salvo pela Polícia Judiciária, que o ilibaria, rejeitando a hipótese de o falecimento se dever a estenose aórtica. E, estranhamente, para muita gente, a talho de foice, a PJ concluiu que não fora pelo uso de substâncias estimulantes que Pavão morrera. Pelo que se arquivou o processo, mas não se afastaram as cortinas de fumo.
Pavão deixara órfã filha pequenina. O F. C. Porto de Américo de Sá prometeu ajudar a família, que bem precisava, já que todas as economias tinham sido aplicadas num pub, na Avenida Velasquez, mesmo à beirinha do Estádio das Antas, que seria sonho de Pavão que com ele morreria. Ajudou pouco. A mulher empregou-se no Estado, mais por mérito seu que por outra coisa. A filha, Cristina, só teria os estudos pagos quando Pinto da Costa assumiu a presidência do F. C. Porto... O olho vivo de Pedroto. Corria o ano de 1964 quando a Artur Baeta, responsável pelas camadas jovens do F. C.
Porto, chegaram notícias do talento de Pavão, por quem os benfiquistas já se tinham enamorado. Por 300 contos os portistas ganharam a corrida. Um ano depois era promovido à equipa de honra do F. C. Porto, por Flávio Costa. Depressa revelaria excelente técnica e invulgar capacidade táctica, que faziam dele estratego de um tipo de futebol que, por essa altura, se considerava... moderno, inspirado, sobretudo, na escola brasileira dos campeões do Mundo. Para lhe examinar o perfil psicológico em teste de fogo, lançou-o como titular contra o... Benfica. Pavão não se apoquentou, assinando exibição excepcional. Tinha 18 anos. Os elogios talvez o tenham enebriado e a sua chama entrou em tremulina. Flávio Costa sujeitou-o, então, ao sacrifício do banco. Assim estava quando Pedroto regressou às Antas, na ânsia de resgatar o clube do caminho de escolhos e mágoas em que caíra. Bom psicólogo e astuto treinador, recuperou Pavão de um dia para o outro e fez dele a pedra-de-toque da sua aposta, tomando até a ousadia de fazer do mais jovem jogador da equipa seu... capitão.


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